sábado, 28 de julho de 2012

"Falta de sorte"


"A mulher disse-lhe: Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier, nos anunciará tudo.
Jesus disse-lhe: Eu o sou, eu que falo contigo."  João 4:25-26 


"E os discípulos, vendo-o andando sobre o mar, assustaram-se, dizendo: É um fantasma. E gritaram com medo."
Mateus 14:26


Tenho muitos amigos. Melhores amigos. Tenho até um amigo que parece um anjo. Desabafava hoje com ele e lembrei do seguinte trecho do livro "O Cavalo e seu Menino", de C. S. Lewis. Recomendo aos que se sentem cansados, sozinhos, e até "azarados":


"Um susto interrompeu os seus tristes pensamentos. Alguém ou alguma coisa caminhava a seu lado. Nas trevas não podia ver nada. E a coisa (ou pessoa) ia tão silenciosamente que ele mal podia ouvir suas pisadas. Ouvia, sim, uma respiração: o invisível companheiro de fato respirava com vontade; devia ser uma criatura enorme. Foi um grande choque.
Relampejou na sua cabeça uma lembrança: ouvira dizer que existiam gigantes nos países do Norte. Mordeu os lábios, apavorado. Mas, agora que tinha um motivo real para chorar, parou de chorar.
A coisa (se é que não era uma pessoa) ia tão silenciosa que talvez fosse mera imaginação. Já estava certo disso, quando ouviu ao seu lado um suspiro grande e profundo. Não era imaginação! O fato é que sentiu o hálito quente desse longo suspiro na mão direita.
(...) Acabou não agüentando mais:
- Quem é você? - murmurou baixinho.
- Alguém que esperava por sua voz – respondeu a coisa. O tom não era alto, mas amplo e profundo.
- Você é... um gigante?
- Pode me chamar de gigante – disse a grande voz. – Mas não me pareço com as criaturas que você chama de gigantes.
- Não consigo vê-lo – falou Shasta, depois de muito tentar. Uma coisa terrível lhe passou pela cabeça. Com a voz quase trêmula de choro, perguntou:
- Você não é... não é uma coisa morta... é? Vá embora, por favor. Nunca lhe fiz mal. Ó, sou o sujeito mais desgraçado do mundo!
Sentiu novamente o hálito quente da coisa no rosto e na mão.
- Morto não respira assim. Pode me contar as suas tristezas, rapaz.
O hálito deu a Shasta um pouco mais de confiança. Contou então que jamais conhecera pai e mãe, que fora criado por um pescador muito severo. Contou sobre como fugira, sobre os leões que os perseguiram, os perigos em Tashbaan, a noite entre os túmulos, as feras que uivavam no deserto, o calor e a sede durante a caminhada, e o outro leão que surgiu quando estavam quase chegando, Aravis ferida... Contou, por fim, que estava com fome, pois não comia nada havia muito tempo.
- Não acho que seja um desgraçado – disse a grande voz.
- Mas não foi falta de sorte ter encontrado tantos leões?
- Só há um Leão – respondeu a voz.
- Não estou entendendo nada. Havia pelo menos dois naquela noite...
- Só há um Leão, mas tem o pé ligeiro.
- Como sabe disso?
- Eu sou o Leão.
Shasta escancarou a boca e não disse nada. A voz continuou:
- Fui Eu o Leão que o forçou a encontrar-se com Aravis. Fui Eu o Gato que o consolou na casa dos mortos. Fui Eu o Leão que espantou os chacais para que você dormisse. Fui Eu o Leão que assustou os cavalos a fim de que chegassem a tempo de avisar o rei Luna. E fui Eu o Leão que empurrou para a praia a canoa em que você dormia, uma criança quase morta, para que um homem, acordado à meia-noite, o acolhesse.
(...) - Quem é você?
- Eu mesmo – respondeu a voz, com uma entonação tão profunda que a terra estremeceu. E de novo: – Eu mesmo – com um murmúrio tão suave que mal se podia perceber, e parecia, no entanto, que esse murmúrio agitava toda a folhagem à volta. Shasta já não temia que a voz pertencesse a alguma coisa que o devorasse; nem temia que fosse a voz de um fantasma. Uma coisa nova aconteceu, um tremor que lhe deu certa alegria.
A névoa passou do pardo para cinza e do cinza para branco. Devia ter começado pouco antes, enquanto ele estava absorvido conversando com a coisa.
A brancura ao redor já começava a fulgir. Passarinhos cantavam em algum lugar. A noite estava por um fio. Já enxergava bastante bem a crina e as orelhas do cavalo. Uma luz dourada surgiu à esquerda, e Shasta pensou que fosse o sol.
Caminhando a seu lado, maior do que o cavalo, estava um Leão. O cavalo não parecia ter medo, ou talvez não o visse. Era Dele que vinha a Luz dourada. Ninguém jamais viu algo tão belo e terrível.
(...) Aslam, o Grande Leão, o filho do Imperador-dos-Mares, o Rei dos Grandes Reis de Nárnia. Mas, depois de espiar mais uma vez o Leão, pulou do cavalo. Não conseguia dizer nada, mas também não queria dizer nada, e sabia que nada precisava dizer.
O Grande Rei encaminhou-se para ele. A juba e um perfume estranho e solene, que nela pairava, cercaram o menino. O Leão tocou a fronte de Shasta com a língua. Os olhos de ambos encontraram-se. Depois, instantaneamente, a brancura da névoa misturou-se com o brilho ardente do Leão, num redemoinho de glória, e os dois sumiram. Shasta se viu só, com o cavalo, na relva de uma colina, sob um céu azul. Todas as aves do mundo cantavam.
"Foi tudo um sonho?", indagava Shasta para si mesmo. Mas não podia ter sido um sonho, pois via na relva a grande e penetrante marca da pata direita do Leão. Que peso devia ter! O mais espantoso, porém, veio depois: a depressão começou a encher-se de água e transbordou, formando uma correnteza que começou a descer pela relva.
Shasta matou a sede com um bom gole, molhou o rosto e a cabeça. Era uma água fria e clara como o cristal. Sacudindo a cabeça molhada, começou a observar o que se passava em redor.
(...) - Estou entendendo: aquelas são as montanhas entre Arquelândia e Nárnia. Eu estava do lado de lá, ontem. Devo ter passado pelo desfiladeiro durante a noite. Que sorte! Sorte coisa nenhuma, foi Ele. E agora estou em Nárnia."


"E disse-me um dos anciãos: Não chores; eis aqui o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, que venceu, para abrir o livro e desatar os seus sete selos."
Apocalipse 5:5

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